FOTOGRAFIA




“A cozinha é o lugar mais aconchegante da casa num dia frio! Era isso que minha mãe dizia”. Falava Desiree para Eduardo, enquanto sentava-ve e abria a caixa de fotografias antigas, em cima da mesa. Já fazia um tempo que ela prometera mostrar fotos da sua infância. Pegar aquela caixa com tantas recordações vivas deixava-a  saudosa de um tempo que acompanhava os passos de seus pais no parque onde brincava todas as tardes.

Eduardo estava eufórico e examinava com cuidado cada foto. Fotógrafo apaixonado pela profissão, tinha uma admiração especial por fotos antigas, fotos espontâneas, aquelas que geralmente não mostramos às visitas que guardamos a sete chaves e torna-se uma recordação nossa, da máquina fotográfica e de quem a tirou.

Agora estava ali, diante de seus olhos, os guardados mais íntimos de Desiree, dividindo espaço na mesa com o chocolate quente, biscoitos de leite numa travessa de vidro e sua máquina fotográfica. E no momento que riam como crianças da foto dela, ainda usando fraldas, ela muda sua expressão ao delicadamente pegar uma fotografia, bem mais antiga que todas as fotografias ali, nos guardados, era o guardado dos guardados. Observa com delicadeza e sorri serenamente.

“Deixa eu ver”. 

Eduardo pega a foto e admira a imagem do casal beijando-se no meio da rua como se, ao fechar os olhos, não houvesse rua, nem pessoas. Apenas o íntimo espaço de um beijo.

“Quem são eles?”

Desiree pega a foto, como se desejasse estar ali e, olhando a foto mais uma vez, diz:

“Meus avós. Foi logo após a segunda guerra mundial, quando as pessoas na França buscavam paz e um pouco de esperança, depois de dias tão turbulentos. Minha avó Annelise, havia sofrido muito com a ausência de seus irmãos e meu avô, logo que foram chamados para a guerra. Um de seus irmãos não voltou. E, naquele dia, logo depois que se encontraram, decidiram que não mais se separariam, como ela mesmo falava: ‘ao olharem-se, uma brisa leve  tocara o rosto, mas um vendaval de emoções fazia voltas dentro dela’. E ali, no meio da rua, num tempo onde o beijo era íntimo demais para ser exposto, meu avô a pediu em casamento e, ao vê-la sorrir e dizer sim, ele a beijou. O beijo do amor que consagrou a união dos dois pelo laço da vida. Um fotógrafo que passava na ocasião captou o sentimento de união, paz, alegria, exaltação e, especialmente, liberdade, que eles, através de um beijo, passavam ali, em frente à Prefeitura da Cidade de Paris, onde, naquele momento, o mundo era deles e eles não imaginavam que seriam do mundo. Ao perceberem que foram fotografados, sorriram e saíram em passos rápidos, como crianças que fazem arte e precisam esconder-se.”

Desiree, nesse instante, entrega a foto para Eduardo e olha-o, emocionada. Ele observa-a e, num impulso, pega sua máquina fotográfica e registra aquele momento, dizendo:

“Essa aqui é para você lembrar-se do dia em que você lembrou ao mundo que: ‘O instante da intimidade de um beijo pode durar uma eternidade’.”

Nota: Conto escrito a partir da célebre fotografia de Robert Doisneau, de casal se beijando em frente à Prefeitura da Cidade de Paris, em 1950.

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