CAMPAINHA HISTÉRICA





  A CASA NEM ERA TÃO GRANDE E O MOVIMENTO DE VEM E VAI ERA CONSTANTE, MAS, NAQUELE DIA, RESOLVERAM COMPRAR UMA CAMPAINHA. AFINAL, NINGUÉM AGUENTAVA MAIS O ”PÁ... PÁ... PÁ... PÁ...” ACENTUADO DO CADEADO GIGANTE.

  E ERA ASSIM TODA TARDE, QUANDO RAIMUNDO VINHA DO TRABALHO, CANSADO, ESTRESSADO, NERVOSO, SEM MUITA PACIÊNCIA E COM A CABEÇA EXPLODINDO DE EXCITAÇÃO, COMO UM VULCÃO PRESTES A ECLODIR. SAÍA DO SERVIÇO, CAMINHAVA APRESSADAMENTE COM PASSOS LARGOS, O PONTO ERA PERTO, MAS O SOL FERVIA SEUS MIOLOS, COMO QUEM DIZ: “VÁ MAIS RÁPIDO.” PEGAVA O ÔNIBUS, ERA MEIO-DIA, ELE  PARECIA FALAR MAIS QUE O MOTOR  E, CADA VEZ QUE O MOTORISTA COLOCAVA FORÇA, ECOAVA: “NÃO SEI SE CHEGO LÁ”. MAS, MEIA HORA DEPOIS, ENTRE SEUS PENSAMENTOS, DESCIA E SEGUIA PARA CASA; NO CAMINHO, AINDA CALCULAVA O QUE IRIA FAZER, O QUE ACONTECERA E IA CHINGANDO EM SEUS PENSAMENTOS O CLIENTE CHATO QUE PERGUNTOU O PREÇO DO BOI E COMPROU MEIO QUILO DE CARNE MOÍDA, OU O CHEFE QUE SÓ QUERIA EXPLORÁ-LO E REPETIA: “É PORQUE O FILHO DA MÃE É MEU IRMÃO.”

  ESTÁ PERTO DE CASA E PARECE QUE ESTÁ SE PREPARANDO PARA UMA GUERRA, SE APROXIMA DO PORTÃO E BATE “PÁ... PÁ... PÁ... PÁ...”

 “OPA! ASSIM NÃO DÁ! NINGUÉM ESCUTA. VAMOS, FÁTIMA, ABRA O PORTÃO!!”

 ELA VIA A NOVELA DAS DUAS, A FILHA CAÇULA SEGURAVA A VASSOURA NA MÃO E A MÃE GRITAVA:

 “MENINA, SEU PAI! CORRA, ABRA O PORTÃO!”

 A OUTRA FILHA TERMINAVA ALGUM SERVIÇO PENDURADO, ELA, A MÃE, CORRIA PARA O FOGÃO:

  “UFA!”

 PRONTO, TODO O MUNDO OCUPADO, ELE ENTRAVA, AS VOZES ECOAVAM JUNTAS: “A BÊNÇÃO, MEU PAI!” ELE RESPONDIA DE UMA ÚNICA VEZ EM UM TOM RÁPIDO, BAIXO, QUE QUASE NÃO SE ENTENDIA O QUE SAÍA REALMENTE. “DEUS ABENÇOE!” ELE OLHA AO REDOR, AVISA DE SUA ROUPA:

 ”GUARDEM A CARNE NA GELADEIRA, ACORDARAM AGORA? ESTOU EM PÉ DESDE AS QUATRO DA MANHÃ, É POR ISSO QUE EU FALO”.
  
  E COMEÇAVA TODA AQUELA HISTÓRIA TÃO SUA E TÃO DELAS E AGORA TÃO DOS VIZINHOS PRÓXIMOS, QUE NÃO TINHAM COMO NÃO ESCUTAR O SOM DO CADEADO E DA VOZ DE RAIMUNDO, QUE SE ALTERAVA, CADA VEZ QUE CONTAVA DO MEIO QUILO DE CARNE MOÍDAE, DA HORA QUE LEVANTAVA TODAS AS MANHÃS.
  
  O TEMPO PASSA E ELE DECIDE COMPRAR UMA CAMPAINHA.

 “PRONTO!”, PENSA A MÃE, “MEUS PROBLEMAS SERÃO RESOLVIDOS, NÃO VOU MAIS ESCUTAR O ‘PÁ... PÁ... PÁ... PÁ...” DO CADEADO NO PORTÃO.”

 AS COISAS MUDARAM, A SITUAÇÃO MELHORARA E, AGORA, ELE TEM CARRO.

 “AH! O CARRO TÃO SONHADO! ISSO VAI FACILITAR TUDO, JÁ NÃO VOU SAIR TÃO CEDO”, PENSA ELE.

  MAS CONTINUA SAINDO ÀS QUATRO DA MADRUGADA DE CASA E PASSA A MANHÃ NO MERCADO, PREOCUPADO, ATIVO, A CABEÇA A MIL POR HORA.

 ”TENHO QUE SAIR E REVISAR ESSE CARRO, E SE PARA DE MADRUGADA NA RUA? E OS CLIENTES, E A CASA, E A ESPOSA, O QUE SERÁ QUE FAZEM AGORA? DEVEM ESTAR NO COMPUTADOR.  EU AQUI, ACORDADO DESDE AS QUATRO HORAS.”

  E OS PENSAMENTOS, E O PREÇO DO BOI QUE SOBE, A MULHER QUE CHEGA PEDINDO, O CACHORRO QUE ELE ESPANTA E É MEIO DIA, E VAI PRO SEU TRAJETO, AGORA, DE CARRO, O MOTOR JA NÃO FALA QUE ACHA QUE TALVEZ NÃO CHEGUE LÁ, MAS O TRÂNSITO É INSUPORTÁVEL, UM CARRO CORTA SUA FRENTE. NÃO ESTÁ VENDO QUE ESTOU NA PREFERENCIAL? IMBECIL? ELE DESABAFA E CHINGA, E DIRIGE, E PENSA NO PREÇO DA GASOLINA, NO REMÉDIO QUE CONSEGUIU COM A AMIGA ENFERMEIRA NO POSTO, JÁ QUE NÃO FICA EM FILA ESPERANDO CONSULTA. QUEM SABE DO REMEDIO É A ENFERMEIRA, O MÉDICO SÓ ESCREVE, PENSA. ESTÁ CHEGANDO, A RUA PARECE LONGA, A CASA FICA ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS, É QUASE A ÚLTIMA DA RUA. OS ROSTOS CONHECIDOS OBSERVAM O CARRO QUE PASSA. ESSES DESOCUPADOS, NÃO PODEM VER NINGUÉM COM NADA, E SE BENZE, E FAZ FIGA, E PENSA NO AMIGO QUE FAZ REZA. TENHO QUE BENZER MINHA CASA, A INVEJA É GRANDE, E CHEGA, APITA A BUZINA DO CARRO. E APITA, E CHAMA, E APITA, E A MENINA SOLTA A VASSOURA, VEM CORRENDO, ABRE O PORTÃO. A MÃE CORRE PARA O FOGÃO, O CACHORRO SENTA, FICA QUEITINHO, FECHA OS OLHOS. NEM ESTOU AQUI. ELE ENTRA, OLHA AO REDOR, FALA DO CALOR, AS VOZES SE REPETEM:

 “A BENÇÃO, PAI!”

 “DEUS ABENÇOE! DEUS ABENÇOE!”, REPETE, RESPONDENDO A TODOS DE UMA VEZ SÓ. HOJE, RESOLVE SAIR, VAI VER AMIGOS, CONVERSAR UM POUCO E VOLTA, APARENTEMENTE, CALMO, DE LONGE VEM COM PASSOS MAIS LENTOS, UM OLHAR TRANQUILO, MAS APROXIMA-SE, VÊ A CASA, O PORTÃO, O CARRO, A MULHER QUE DEVE ESTAR FAZENO SEI LÁ O QUÊ LÁ DENTRO. NÃO AGUENTA, TEM QUE FAZER O BARULHO ROTINEIRO DE SEMPRE E TOCA, TOCA A CAMPANHIA HISTÉRICA, ELA NÃO TEM O SOM SUAVE, O CONHECIDO “BLIM BLÃO”, MAIS PARECE UM APITO DE JUIZ DURANTE O CARTÃO VERMELHO.

 “PIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII...” ESSE, O PRIMEIRO TOQUE; NÃO SE ESPERA UM MINUTO, REPETE O SOM, O SOM QUE ENTRA, ACORDANDO O CACHORRO, FAZENDO A MENINA LEVANTAR DO SOFÁ,  A MÃE FICAR EM PÉ.

 “PIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII...”

 E MAIS UMA VEZ:

 “PIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII... PIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII...”

 E JUNTA-SE À SUA VOZ FORTE:

 “ABRA AQUI, PELO AMOR DE DEUS!”

 E MAIS UMA VEZ TOCA A CAMPAINHA HISTÉRICA:

 “PIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII...”


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