OS OVOS QUEBRARAM
“Os ovos quebraram”
Louca, louca repetia. Logo hoje
que precisava de três ovos para fazer o bolo de aniversário de seu marido
Afonso. Como pode a Matilde deixar uma caixa inteira de ovos cair, mas que será
que ela pensa enquanto perde-se naquela cozinha? Mês passado no casamento da
Juliana foi o brigadeiro que ela espatifou ao chão, agora os ovos e eu como
sempre tenho que resolver tudo!E minha roupa? Será que ela passou? Acho que
mandarei Matilde embora, ela já não faz nada direito, deve ser aquele novo
namorado que ta virando de jeito à cabeça dela. Arruma a bolsa para que fique com o zíper pra
frente, puxa um pouco a camisa branca e endireita o óculos na cabeça. Essa rua
é perigosa. Nunca fui assaltada porque estou sempre atenta!
Mas, ultimamente perde-se em
pensamentos tolos e enquanto aguarda o ônibus pensa em Matilde e nos ovos quebrados.
Suspira , suspira como se os outros ao redor soubesse o que lhe incomoda, como
se suspirando partilhasse sua dor, observa a mulher do seu lado, parece tão
tranqüila , tão naturalmente simples com um chinelo de dedo e uma sacola de
supermercado na mão, observa a mulher que quando sente-se examinada a encara
com um sorriso no rosto que seria tão naturalmente despercebido se não fosse pelo batom
vermelho que borra seus dentes ,tão
vermelho quanto a saia que conversa com a blusa estampada.
“Ela deve ter uns 55 anos, não
deve ter uns 50 talvez, um pouco gordinha, cabelo curto e parece tão calma. Eu
não sairia com uma camisa assim, não decididamente não.”
Subiu apressadamente no ônibus
sentou-se e fitou a mulher mais uma vez e sentiu que sua tranqüilidade a
causava certo desconforto! Enquanto observava as ruas da cidade que silenciosas gritavam aos seus ouvidos, imaginava o que diria a Matilde, afinal, por ela,
teve que passar no supermercado e enfrentar aquela fila insuportável, logo hoje
que foi sem carro. “Ainda bem que consegui uma cadeira para sentar!” Apertava a
bolsa contra o colo, cuidava com a sacola dos ovos e rapidamente olhava ao
redor observando os rostos que estariam a lhe observar. O homem que sentou do
lado cheira a coentro, não gosto de coentro, lembro minha infância que minha
mãe fazia um caldo de coentro, margarina e carne moída, é não gostava daquele
caldo e nem do cheiro do coentro “Olhando a janela observou a rua que parecia
cinza e muda, passava em seus olhos e ela não via, não via a vida que girava lá
fora, estava presa, presa em seus preconceitos banais, o vento que soprava da
janela mexia seus cabelos, o vento brincava o tempo todo com ela, mas ela não percebia,
ela irritava-se. Resolveu ligar para Matilde não iria esperar até chegar a casa
para dar-lhe uma boa bronca. Pronto, agora quem sabe ela deixa tudo bem adiantado.
Afinal minha sogra estará lá e tudo deve está perfeito, com gente como ela que
presta atenção a detalhes não se pode errar. O homem com cheiro de coentro
levanta e claro não poderia sair sem esbarrar em mim, mas um pouco e eu fico
como um coentro aqui sentado, um coentro branco, talvez um coentro sem cheiro.
Uma menina senta-se e me faz lembrar meus 10 anos, como ela parece comigo, a
pele branca, a franja que cai sobre os olhos, com o cabelo assim da cor de
jabuticaba, eu tinha um vestido bem parecido também. De repente sinto um cheiro
de segredo, como se meu mundo estivesse ali do meu lado, nos olhos brejeiros
dessa menina. Lembrei da minha mãe, o que me entristece, pois até hoje, não sei
como realmente foram os seus dias, vivíamos lado a lado, mas só o necessário
era falado, com uma troca de saudações. Ainda hoje escuto o que ela falava
quando meu pai dizia pra economizar, pois éramos pobres,” Não somos pobres,
somos mais ou menos”. È acho que eu também não sou pobre, sou mais ou menos,
afinal tenho onde morar o que comer, tenho alguém pra ajudar-me em casa, tenho
um filho que eu... Pensar no filho a fez diminuir o ritmo, e de repente nadou em
pensamentos tortuosos.
"Quanto tempo não falo com meu filho? Quanto tempo não
saio para passear com ele, ele tem 16 anos eu deveria ser mais presente, será
que estou deixando a minha casa ficar grande demais, tão grande que eu não
posso encontrá-lo ? E Afonso, será que tenho sido uma boa esposa para ele? Ah! Claro que sim, afinal eu trabalho e o ajudo.
Mas e a troca? Acho que tenho sido uma esposa mais ou menos e talvez uma mãe
mais ou menos, uma pessoa mais ou menos."
Foi ai que pisou em chão selvagem.
Ainda tem duas quadras até chegar
a casa e foi examinando a expressão dos que passavam e a rua começou a gritar
com ela e a mostrar suas cores. Teve vontade de perguntar aos que encontravam o
que pensavam dela. Contida guardou-se em silêncio. Em casa senta e observa suas
velhas paredes, estão secas e até a cozinha está faminta, exceto por Matilde, que
dança com as mãos enquanto cochicha com a louça por lavar.
“Oi Dona Zilda, cadê os ovos?”
Num sussurro melancólico diz:
“Os ovos quebraram”
Lene Dantas
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