Postagens

Mostrando postagens de março, 2011

AQUI

Imagem
Aqui o dia ainda passa devagar. Hoje, o passarinho que pousa diariamente na minha janela me olhou nos olhos, não entendi bem o motivo do seu interesse. “De repente, virei uma flor”, pensei, e abri as cortinas que eram erguidas a toda hora pelo vento que não parava de dançar. Encostei-me na janela e, lá fora, as folhas falavam uma com as outras, as borboletas cochichavam algo que eu ainda não podia ouvir e os raios do sol aumentavam e clareavam aos poucos as calçadas adormecidas e congeladas pela madrugada. Tudo parecia quieto, nada movia-se, nada falava comigo, nem eu mesma ultimamente falava comigo. Fui até o quarto e ele era lilás, os travesseiros traziam estampas que combinavam com as paredes. Por que tudo tem que combinar? Não sei, mas eu gostava que combinassem. Nesta manhã, estou meio perdida, me sentindo só, exceto pelo passarinho que olhou para mim; eu deveria ter perguntado o que ele queria. Será que me responderia?  Ele voou para tão longe, percorreu tantos lugares nesse cé

A CARTA

Imagem
Secava a boca com gotas pálidas de palavras atravessadas. Não, ninguém sabia explicar porque Alice estava aflita. Ela apenas calava-se em seu mundo inculto. Na tarde passada, foi até a banca de jornal, olhou rapidamente as manchetes que estavam expostas na capas das revistas, seu rosto era imóvel e, apesar da simpatia do jornaleiro, não motivou-se a sorrir. Seu caráter estava apático e seus olhos alegres agora eram umedecidos com o desalento. Há alguns dias, recebera uma carta, abriu aflita a correspondência, depois subiu lentamente os degraus como se levasse consigo o peso do que lera. Pessoas passavam, carros barulhentos buzinavam, amigos casavam-se,outros separavam-se, riam, choravam, mas no seu apartamento, no quarto andar, na rua Marechal Deodoro, o vento passava uivando. O abandono tomava conta da cozinha, já não ligava com a louça, que esperava pelo banho da limpeza. As fronhas, cobertores, travesseiros, contavam uns aos outros segredos de mad

LEGÍTIMA DEFESA

Imagem
Nasci no Rio de Janeiro, quando meus pais estavam com três anos de casados, não me lembro muito do Rio, pois quando saímos de lá eu tinha quatro anos de idade. Meu pai era militar e minha mãe costurava. Quando chegamos em Fortaleza, fomos morar em Jacarecanga, um bairro do município, a oeste do centro da cidade, próximo ao mar, tão próximo que, à noite, escutava as ondas que embalavam meu sono. Nossa casa era na Rua Tijubana, em frente ao muro do Cemitério São João Batista. Para muitos, isso parece assustador, mas depois de um tempo é como um muro de escola. Quando tinha nove anos, minha mãe morreu de parto e foi assim que virei mãe, ainda criança, de minha irmã caçula, Solange. Meu pai já era aposentado nessa época, o que era um alivio à sociedade, já que não honrava a farda que usava, jogava e era alcoólatra. Meu irmão mais velho, assim como ele, seguiu a carreira militar, não se importava com nada, nem ninguém, só pensava em sua carreira, sua noiva, Dalva, e seus valores mesquinh