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Mostrando postagens de fevereiro, 2011

MEDO

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  A tarde despedia-se e eu, junto com dois amigos, caminhávamos aflitos num calçadão em frente ao mar. Sabíamos que alguém nos perseguia, a ansiedade apertava o coração, os passos eram ligeiros, olhávamos para trás compulsivamente.  Aos poucos, nos afastamos do mar, das ondas que falavam idiomas estranhos, do calçadão que ficava mais longo a cada passo que dávamos, dos coqueiros que estavam inertes no meio do caminho. A lua veio misteriosa e agora as estrelas pareciam nos espionar. Entramos numa rua solitária e caminhamos para um abrigo. Ninguém falava nada, o medo ameaçava nos entregar. Encontramos um abrigo, uma casa pequena com portas sem trancas. Não me senti segura ali e me incomodei com o pouco caso que meus amigos fizeram da situação. Pararam, sentaram-se, conversaram e, na rua, lá fora, pessoas nos perseguiam, nos procuravam como condenados. Condenados inocentes de um pecado desconhecido. Eu estava ansiosa, sabia que eles iriam nos encontr

REFLEXO DO AMOR

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  “O que eu faço então? Pensa que é fácil arrancar o amor do peito? A tia já me deu até banho de erva que ela fez. Eu gosto do João. E mesmo que você não goste dele, vou continuar gostando.” “Você precisa mesmo é de uma boa surra, sua moleca!” Entra na sala, arrumando o cinto na calça: “Vai ver tua filha, mulher, quem sabe não põe juízo na cabeça dela e avisa logo que ela vai morar com minha irmã em Pacajus. Vai ficar longe daquele infeliz.” É dia e os primeiros raios de sol penetram a janela do quarto de Celeste. “Parece até um anjo dormindo”, pensa Dona Augusta, quando vê a filha deitada de lado, encolhida, com o cobertor do lado do queixo. As marcas do cinto do pai ainda são vistas por toda a parte do corpo. A mãe sofre, mas precisa fazer a vontade do marido, aprendeu desde cedo a não desobedecer suas ordens. “Acorda, Celeste! Seu pai já tá em pé. E o ônibus saí às nove.“ Ela abre os olhos ainda vermelhos e inchados do choro da noite passada, olha p

ESCOLHA

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“O movimento aqui não para”, fala Fátima, enquanto arruma vestidos num manequim, na vitrine da loja. “Tomara que esteja certa, estou precisando de grana, lá em casa a barra tá feia, minha irmã mais velha engravidou de novo, é mais uma boca para meu pai sustentar.” “E ela não é casada?” “Se juntou com um pobretão! Não tem onde cair morto, bebe uma cachaça que só vendo. Eu que não caso com pobre. E agora trabalhando aqui, quem sabe não encontro um ricaço”, falou sorrindo, enquanto olhava seu corpo esguio e com formas bem definidas no espelho. “Quem sabe! Só tem que tomar cuidado, porque esses caras são cheios de lábia. Enchem o bucho da gente e vão embora.” Enquanto Fátima falava, Rosana ficou olhando pela vitrine aquela gente toda que passava, gente fina, bem vestida, diferente das pessoas que ela costumava ver no bairro onde morava. A loja ficava na Avenida Beira-mar, em Fortaleza. Junto ao cheiro da brisa, Rosana observava o mar que ia e vinha, naquelas ondas, que batiam nas pe

GAROTA DA FLOR DE ÁGUA DOCE

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 Os olhos de Sharbat Gula falavam por ela. Naquela manhã, a menina dos olhos verdes-água foi fotografada. Ela não tentou arrumar-se, nem esbanjou nenhum sorriso. A guerra, o medo, a fome, a exploração. Tudo isso fazia parte da infância roubada de Sharbat Gula. Morava numa casa simples, dividida entre dois cômodos: a sala que tinha um tapete marrom na entrada, duas cadeiras de madeira escura, que sua avó ganhou trabalhando numa casa de ricos, um pouco antes de ter um derrame e perder a coordenação do lado esquerdo. O fogão e uma pequena mesa, onde faziam as refeições. O outro cômodo era o quarto, onde existiam dois colchões, um em que sua avó dormia e outro que ela dividia com sua mãe. A casa ficava numa aldeia, onde todos, mesmo imensamente pobres, ajudavam-se, dividindo o pouco que tinham uns com os outros. Pela manhã, ela gostava de cuidar das flores que ainda restavam no jardim. E quando era frio e o inverno fazia a alma tremer, ela preocupava-se com o frio nas flores, lá fora. Es

O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA

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A rua estava deserta quando Elisabete caminhava cambaleando, levava uma pequena bolsa com documentos e a carteirinha que marcava as idas para o pré-natal. Tentava chegar ao ponto de ônibus, equilibrando-se no canto dos muros. Cada vez mais, as contrações aumentavam e dificultavam-lhe andar. Um carro aproxima-se, ela dá com a mão, mas é em vão, o motorista aumenta a velocidade e risca impiedosamente o asfalto, deixando para trás a sua angústia. Aos poucos, ela consegue chegar ao ponto e, em meio às dores, medo e angústia, espera a condução. Espera como esperou nove meses por aquele momento, o momento de ter seu filho nos braços. Senta-se no banco e tenta, de alguma forma, acalmar o bebê que está por nascer, e, em meio às lágrimas de dor e medo, fala com seu filho: “Antônio, tenha força, tenha fé. Sei que será um guerreiro forte e honesto. Amo você e você vai nascer saudável. Já passamos um bom bocado, não é mesmo?! Lembra-se do dia em que vi você no ultrassom? Foi o dia mais feliz da m