A MENINA FLOR



Chove muito agora e a mais nova flor do jardim de dona Sara observa com medo o que acontece, ela ainda é pequena e frágil. Agarra-se perto da mãe.

“Mãe será que esse aguaceiro vai me levar?” 

“Calma, filha, é chuva passageira, aquelas de verão, que vem forte, mas logo acalma, só veio para refrescar um pouco.”

A florzinha acalma-se um pouco com a palavra da mãe e fica no movimento de fechar e abrir dos olhos, abre curiosa pra ver se diminuiu a chuva, fecha espantada quando o vento vem tão forte que parece querer  levá-la embora.

Dona Sara vem chegando com um enorme guarda-chuva, vem com sacolas de compras na mão, junto com a filha.

“Ah,  Simone! Veja que chuva forte, e minhas roseiras, espero que esse vento não arranque minhas rosas”, fala, entrando na casa, fugindo do vendaval. A menina flor observa e fica intrigada.

“Mãe, porque dona Sara se preocupa com as roseiras? E nós? Ontem, escutei ela falar pra vizinha que as rosas são cheirosas e que são muito usadas pelos enamorados. Eu queria ser rosa.”

“Filha, você é uma bela flor do campo, sua cor suave parece um veludo lilás.”

A chuva diminui, os passarinhos começam a voar novamente, um desce perto da florzinha.

”É bom voar?”, pergunta a jovem flor.

“ Sim, é bom voar. “

“Você tem família? “

“Sim tenho família. “

“E agora, o que faz aqui?”

“Desço em busca de alimento.”

A menina o examinou, ficou encantada com suas penas vermelhas, seu bico pontudo, fechou os olhos e começou a voar na imaginação. Suas folhas eram asas  e quando se cansava, descia na janela de um enamorado e virava rosa. E as pessoas lhe admiravam. Em meio aos seus sonhos, abriu os olhos e viu que o passarinho já se fora, levando alguns galhinhos no bico. Deve estar fazendo algum ninho, ele deve ser casado, é tão bonito, pensou ela. Então, sacudiu suas pétalas, ainda molhadas, e olhou para a borboleta. Uau! Como é bonita! As cores, as asas!

 “Mãe!!!”, falou entusiasmada. “Eu já sei o que quero ser: uma borboleta. “

“Borboleta!”, sorri a mãe, admirada com o desejo da filha. “Florzinha, você é uma flor linda!”

A menina flor  fechou os olhos e imaginou-se como uma borboleta, voando entre o jardim, que linda borboleta eu seria. Eu voaria nos jardins e procuraria as mais belas flores. Agora, vira sua atenção para o cravo que puxa conversa com sua mãe e escuta.

“Então, Dona flor, observou que a rosa anda triste, ela não está muito bem esses dias, tentei me aproximar, mas ela não quis conversa hoje. O mundo já não tem o romantismo de antes, as pessoas já não ligam muito pra beleza de um jardim.”

“Ah, seu cravo! Mas sempre tem aqueles que amam a beleza da vida. Veja Dona Sara, todo dia cuidando de  todos nós.”

“Sei Dona Flor, mas tenho medo que isso acabe, as pessoas já não se preocupam com jardins, são poucos os que cuidam da natureza. O mundo está acabando, Dona Flor, daqui a pouco será que ainda vamos existir?”

A menina flor apavorou-se, engoliu em seco, o coração bateu forte, os olhos arregalaram. Eu vou morrer, meu Deus, eu vou morrer e não sei ainda o que vou ser quando crescer, e se eu morrer antes de crescer?! A menina ficou em prantos.

”Mãe, como faço pra crescer logo?

“Filha, o tempo passa igual pra todos, tem que esperar.”

“Mas, mãe, e se eu quiser ser uma rosa ou um passarinho, ou uma borboleta, vai dar tempo?

“Filha, você tem tempo suficiente pra pensar no que será. Eu sei que será muito especial quando crescer. “

Especial, essa palavra ficou em sua mente. Escutou a tulipa falar que especial era o namorado dela, porque ele era gentil. Então, serei que nem o namorado da tulipa? Não sei se quero ser como ele, ele é bonito, parece cantor, mas é meio sério e olha pra ela com um olho de quem está dormindo, meio caído, é como se seus cílios encostassem um no outro. Escutei o cravo falar que é olho de peixe morto. Não tenho olho de peixe morto, meu olho é bem grande. Acho que não vou ser especial, minha mãe que me perdoe, vou ser como minha professora, serei uma flor de acácia, ela é tão elegante, tem um jeito faceiro. Mas será que é triste? Não a vejo sorrindo muito. Já sei, serei um girassol, minha prima é girassol, minha mãe diz que ela tem dignidade. Não sei bem o que é isso, mas deve ser bom.

“Menina flor, o que te perturba? Está tão pensativa. “

“Mãe, eu quero ser feliz quando crescer, romântica como a rosa ou digna como o girassol, vejo todo o mundo o tempo todo falando de alegria e não sei ainda o que sou, e se vou ser  feliz.”

“Filha, você já é! Veja o seu reflexo na água da chuva que ficou no chão.”

Naquele momento, a menina se olhou e viu como eram lindas suas pétalas lilases. E como suas folhas tão verdes e tão novas espalhavam beleza.

“Estou vendo, mãe, eu estou bonita. “

“Filha, não falo só da sua beleza exterior, essa, um dia pode ir embora. Olhe mais um pouco, filha, veja seu coração, o que há dentro dele?”

A menina ainda tão jovem começou a pensar e viu que tinha tantos sonhos que não sabia direito o que fazer com eles. Olhou pra sua mãe e disse:

“Tem tanto dentro de mim, mãe.”

“Sim, menina flor, você tem muitos sonhos, é muito ativa e presta atenção a todos, mas você tem que ter sonhos seus, sempre visualizando você. Não adianta sonhar o sonho de outras pessoas, nem desejar ser outras pessoas, você tem que ver que tem um mundo dentro de você, e esse mundo é seu, e que você pode, sim, ser romântica como a rosa, voar como o passarinho, ser digna como um girassol, ou, ainda, ter a elegância da flor acácia. Mas, você tem que ser você mesma, pra conseguir tudo isso.”

A menina flor pensou, pensou, pensou e adormeceu pensando em tudo que sua mãe falou. No outro dia, o Sol amanheceu dando brilho a todas as flores, o jardim estava lindo, o copo-de-leite passava pureza, com um sorriso terno. O passarinho estava novamente passeando por lá. O cravo não parava de admirar a rosa que tanto ele amava, o namorado da tulipa chegou todo gentil, com seu olho de peixe morto. E a menina flor olhou pra si e viu que não era mais tão menina.

“ Bom dia, mãe!”

“Bom dia, menina flor! Está bem?”

“Sim, hoje estou bem, porque, hoje, sei quem sou.”

“E quem você é filha?”

“Eu sou uma flor do campo e isso me faz ter equilíbrio, ponderação e felicidade. Sou feliz por ser assim, ter nascido assim e, agora, sei os sonhos que quero seguir, porque ontem eu consegui me enxergar por dentro!”

A mãe flor sorriu e segurou sua mão. E juntas ficaram ali, dando beleza e sossego àquele jardim tão bem cuidado pelas mãos de dona Sara.

Comentários

  1. GRANDE INDENTIFICACÃO COM ESTE CONTO,MUITO ME TOCOU TIVE UMA GRANDE VIAGEM DENTRO DE MIM.DA PARA VOLTAR IR EM FRENTE E SONHAR BJUS

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