A ROSA






Um pouco ali, adiante, caminha uma mulher. Ela vem devagar, seu vestido é branco, longo, está descalça. Tem ingenuidade e pureza, seu sorriso é terno e o brilho do seu olhar encanta. Ela para, olha o jardim ao redor, pega uma rosa, uma rosa branca, cheira, suspira e segue seu caminho, com aquela rosa na mão. O jardim ao seu redor tem muitas rosas, tem borboletas, tem vida. Está ao seu alcance escolher a estrada que quiser andar, naquele jardim que mais parece um labirinto. Mas ela nem pensa nisso, continua caminhando. Agora, duas crianças brincam ao seu redor, isso a faz sorrir. Elas cantam o canto da felicidade, ela abaixa e as abraça. Levanta, olha para a rosa em sua mão e coloca a mão no seu coração, o suspiro é demorado, aguarda ansiosa a chegada de alguém que preencha esse espaço guardado dentro dela. Ainda longe, se aproxima um homem. Ele a olha e sorri, a roupa dele é azul, e na blusa alguns bordados; no bolso, o desenho de algumas estrelas. Ele aproxima-se, vem com passos rápidos e firmes na direção que ele escolhera. Os dois agora se olham muito próximos, ele vê a delicadeza de seu rosto juvenil, o jeito de menina querendo amar. Entrega-lhe, dentre as rosas, uma rosa de cor rosa tão rosa que suas pétalas chegam a parecer vermelhas. Ela aceita e cora o rosto. Em sua mão, agora, mistura-se a cor da Rosa branca e da Rosa rosa. Caminham como que flutuando entre o jardim. De repente, eles trocam de lado e, ao trocarem a Rosa de cor rosa, espeta o meio de sua mão, ela vê aquele sangue e estica suas mãos em direção dele, pedindo ajuda, o espinho entrou profundamente. Ele vê. Mas não puxa aquele espinho. Segura a rosa e a parte ao meio, separando o espinho largado na mão dela com o galho e o restante da rosa que ficou em suas mãos agora. Ela o olha e mostra na palma de sua mão o espinho, o olhar já não é feliz, sua expressão vai ficando triste e vazia, o queixo treme, a lágrima desce compulsivamente, tamanha a dor. Ele olha novamente, faz um gesto de descaso. Pega o colarinho da blusa, ajeita no pescoço, dá uma olhada na rosa que está em sua mão e sai. Ela, ali, com a mão sangrando, atordoada, chorava água com sal. Ajoelha-se e seu vestido, antes branco, começa a transformar-se em beje; os olhos brilhantes perdem a luminosidade e as crianças que passam brincando já não deixam sensações felizes. Ele continua seu caminhar, logo depois de alguns passos, já distante, olha para trás e a vê ali, caída, ele não vê mais a graça, nem a beleza, não vê mais o brilho no olhar e olha novamente para a frente. Antes, pega outra rosa, uma rosa de cor tão rosa que parece vermelha, e segue. Ela levanta-se ainda cambaleando e procura outro caminho, cabisbaixa, olhos tristes. Vez por outra, observa o espinho em sua mão e cada vez que olha sua roupa escurece, os olhos perdem mais o brilho, o cabelo arrumado tão caprichosamente, agora, já soltos, largados ao vento, mas, mesmo assim a fazem bela e, ao longe, um homem de roupas claras, beje como as dela, a observa, ele aproxima-se. Segura seu queixo, o ergue e a faz sorrir, ele olha sua mão com o espinho enfiado e tenta arrancá-lo e, quando ele está prestes a conseguir, ela o impede, não consegue permitir arrancar o espinho que a maltrata, ela pensa ser a única lembrança do homem que abriu os seus olhos para o amor. Olha calmamente o homem de beje, que também segura uma rosa, mas por trás de si, e ela não consegue enxergá-la. Ele faz gesto de mostrar-lhe aquela rosa, ela fecha os olhos e o afasta lentamente de perto de si. Tira uma mexa de seu cabelo e o entrega. E sai, e caminha desenganada, sozinha. Em certo ponto, senta no meio da beleza do jardim e este começa a dar-lhe vida novamente, os olhos começam a brilhar e um sorriso tímido começa a sair de seu delicado rosto. Aquele espinho enfiado ainda em sua mão já não a maltrata tanto. Ela sente, agora, uma sombra pôr-se na frente do sol que aquecia suas pernas, levanta a cabeça calmamente e, quando enxerga o homem em sua frente, os raios solares clareiam um sorriso trancado dentro de sua alma. Ela levanta-se devagar e o olha fixamente. Ele sorri, olha sua mão e começa a arrancar calmamente o espinho dela. A roupa azul já não era como antes e no bolso, mais estrelas brilhavam desenhadas, mas seu sorriso parecia o mesmo. A alegria de reencontrar seu amado tomou conta de seu frágil coração, que não via mais sentido em existir. Ele, agora, parecia disposto, já não trazia dúvidas nas suas palavras. Ela estava feliz e esperava ansiosa que ele arrancasse logo de sua mão aquele espinho que a machucava. Ele conseguiu tirar a metade e parou um pouco, ela não se importava com a dor. Só ele poderia curar aquela ferida. Mas ela observou que ele não trouxe nem sequer uma rosa para ofertá-la. Ainda assim, estava confiante na certeza de curar aquela dor. Mas, veio uma tempestade, a chuva forte os impeliu a correr. Ela buscou refugio entre as roseiras e o olhou para que corresse com ela na mesma direção, ele largou sua mão e correu sozinho para o centro, para a estufa, um lugar mais fechado, cercado de vidros. Ela não entendeu não levá-la, então, caminhou até lá, a porta estava trancada, ela bateu e pediu que a abrisse, ele a olhou pelo vidro e continuou a observá-la friamente, vendo todo o seu corpo sendo molhado pela tempestade e seus olhos, e sorrisos perdendo novamente a cor. Ela bateu desesperada, ficou com medo da tempestade arrastá-la. Gritava: “Abra! Abra!” Ele, frio, apenas a observava. As batidas desesperadas na porta aumentaram e entre essas batidas ela encostou a mão com o espinho bruscamente na porta, e aquele espinho entrou totalmente dentro de sua delicada mão, e a dor foi como que cortando seu peito ao meio. E o sangue já não gotejava, ele misturava-se com a chuva e lavava todo seu corpo, cobrindo seu vestido beje. E já não era vermelho, era preto, e cobria sua roupa, e manchava sua delicada face, quando as lágrimas escorriam em seus olhos. Ela escorregou encostada na porta, até sentar-se ao chão, não adiantava bater, ele não abriria. E a luz da lua, agora refletia nela, como que sugava toda sua beleza e vitalidade para si. O seu brilho interior já não existia mais. Sua estrela saíra de seu peito e estava ali, também no chão. Amanheceu, e ela ali, largada, a roupa agora estava escura, a rosa branca ainda na mão, trazendo o único sinal de pureza e alegria. E a estrela de seu coração, da sua estima, da sua paz, já fora de seu corpo. Ele abriu a porta lentamente para que ela não acordasse, arrumou sua camisa, abaixou-se perto dela e pegou aquela estrela e prendeu junto ao seu peito, assim como fez com tantas outras. Suspirou, olhou para o Sol, sorriu, se sentiu mais belo, mais viril, mais homem, mais forte. E saiu caminhando sem olhar para trás. Ela acordou, já sem brilho próprio, levantou devagar, ainda sem forças, viu a porta aberta e entrou, olhou todas aquelas rosas cor de rosas faltando um espinho. Era a casa dele. O lugar onde ele guardava seus troféis. As rosas estavam murchas e sem cor. E em cada uma existia um reflexo onde podia-se ver cada mulher que recebera aquela rosa. E ela seguiu olhando uma após outra, e a maioria estava caída. Com um vestido preto, ainda com a mão sangrado, e dentro dela o espinho enfiado, ela chegou perto da última rosa, da última prateleira, aquela mulher parecia ser intima. Ela olhou por um tempo e viu seus traços tão familiares, viu ela andando de vestido branco ainda feliz, com um sorriso maroto; depois, viu transformar-se em nada, caminhava como que não querendo caminhar. Logo após, viu seu sorriso voltando e ele se aproximando, trazendo brilhos que ela enxergava como sendo do Sol. Mas não era do Sol, era de cada estrela colocada em seu peito. Era o brilho das mulheres, roubado, que ele se fazia vivo através desses. Quando ela se enxergou ali, sem vida e desinteressante, percebeu que a graça tinha sido roubada por ele, que seu brilho particular, agora, estava no peito dele, no ego dele. E apesar de refletir e aquilo feri-la fortemente, ela continuou se observando no reflexo daquela rosa. E viu que agora sua roupa estava escura e que de seus olhos desciam lágrimas de sangue, e que o espinho em sua mão estava entrando em seu corpo, e estava caminhando aceleradamente, em rumo ao seu coração, e ela sabia que quando isso acontecesse, não teria mais chance. A força do amor e a vontade de viver seriam sugadas, ela não seria mais feliz e nem conseguiria pegar de volta sua estrela enfiada no peito dele. Então, embora fraca e sem forças, ela procurou um objeto cortante e quando o viu enfiou em sua mão, e começou a cortar toda a mão ao redor do ferimento, ela decidiu não morrer, decidiu não deixar aquele espinho acabar com sua vida. E ela cortava sua mão e gritava, mas resolveu agir e, quando conseguiu deixar aberto o local onde fora enfiado aquele espinho, ela, com sua sensível, mas, agora, forte mão, o puxou. Sozinha, com a coragem e força de um Sansão e, ao puxar o sangue, que apodrecia, começara a sair e começara a vir um sangue novo, vermelho e vivo. Ela olhou suas roupas, eram negras e arrancou-as de si. E saiu à rua, pedindo chuva, pedindo água, precisava purificar-se e, como que por milagre, daquele jardim encantado o Sol que a observava resolveu retirar-se, e as nuvens começaram a juntar-se no céu, e começaram a mandar águas limpas e suaves, que caíam em seu corpo e lavavam sua alma, e cicatrizavam sua mão, e cada vez que ela abria a mão em direção a água, o ferimento fechava-se. No céu, um arco-íris formou-se. Ela olhou e sorriu. Caminhou até o meio da estrada com seu corpo nu e a rosa branca não mão. Deu alguns passos e resolveu vestir-se, e colocou flores sobre sua pele. Flores alegres e vivas. Sentou-se, enquanto admirava aquelas flores, com um sorriso maroto, com o desejo de felicidade nos olhos e a força do coração que, mesmo em pedaços, ainda acreditava no amor. Então, sentiu à sua frente uma presença, que emanava luz e levantou os olhos e observou a figura de um homem, levantou-se e o olhou fixamente, ele olhou sua mão que, agora, estava sem o espinho, mas que ainda era possível enxergar a marca, a cicatriz deixada depois de tamanho ferimento. Ele ainda estava de beje, sorriu bondosamente para ela e fez menção de mostra-lhe a rosa que segurava. Ela relutou e lhe mostrou a rosa branca que ainda carregava, indicando que, talvez, fosse suficiente para seu novo caminho. Mas seu coração pedia amor. E ele a olhou novamente, sorriu passando sua mão gentilmente em seu rosto. Colocou a mão no bolso e mostrou a única coisa que carregava, a mexa de seu cabelo que ela mesma lhe entregara como prova do carinho, como quem pedisse para que a levasse com ele, embora não pudesse entregar seu coração. E quando ela viu aquele gesto, sorriu e fez uma expressão positiva com o rosto, esticando a mão esperando receber a rosa, a rosa que ele a queria entregar. Ele então trouxe sua mão à frente, lentamente, e colocou diante dos olhos dela uma rosa linda, a rosa mais perfeita de todo o jardim. Ela expirava amor, era uma rosa vermelha, aquela que estava em seus sonhos, quando adormecia e pensava no ser amado. Mas, mesmo vendo tal rosa, ela relutou e imaginou ser sinal de perigo, uma rosa tão bela, tão chamativa, poderia ser mais um espinho enfiado em sua mão. Olhou paro lado, baixou os olhos procurando não ver aquela beleza que tanto a agradava. O homem, devagar, pegou a rosa branca das suas mãos, ela deixou ser tirada e juntou à sua rosa vermelha, amarrando as duas com a mexa do cabelo por ela dado. E o brilho do Sol, veio novamente, e um de seus raios iluminou aquele instante tão mágico onde, formava um coração com as rosas. E a roupa dele começou a ficar branca como a rosa dela, e ela começou a vestir-se com um longo vestido vermelho, como a rosa que ganhara e, de repente, lhe voltou o brilho e o sorriso se abriu, e os olhos criaram vida. E ela, ofegante e sem nem ao menos entender um sentido do que acontecia, perguntou: “Mas o que acontece? O que é isso?” O homem a abraçou cuidadosamente, passou a mão em seus cabelos e falou: “Isso, é o Amor” E, juntando as mãos, caminharam por aquela estrada cercada de rosas e cantaram juntos com as crianças o canto da felicidade!


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