O CENTRO DA AGULHA




O gemido do ventilador se perde no meio do motor forte da máquina de costura de Nelza. A casa é simples, há pouca ventilação. A área que foi planejada para descanso era, agora, usada como lugar da lida diária. Quando comprou o terreno, logo depois que ficou viúva, desenhou no papel como seria sua casa: a sala, os quartos, a garagem. A casa tão sonhada, que fora conquistada com a pensão deixada pelo seu marido. Foi uma sensação triste e feliz. Feliz e triste. O dinheiro representava a vida dele que se foi, mas, também, a casa que ela sonhara. E ela repetia ao pedreiro, quero uma varanda grande, espaçosa.Sonhava em descansar à tarde, logo depois do almoço, poderia ouvir o canto dos pássaros. Foi perfeito. A casa ficou pronta e, poder entrar no que era dela, foi sublime. Ver o sorriso de ponta a ponta da mãe, deixava Amália feliz. Ela era a única filha, a que sempre acompanhou a luta da mãe por uma vida melhor. Ajudava a mãe na costura: bordavam, faziam vestidos de festa. Engravidou aos quinze anos. Quando o pequeno Alex nasceu, seu pai ainda era vivo; logo depois, veio Vitória, hoje com quatro anos, que sempre pergunta pelo avô, que até ano passado estava no meio deles.

“A situação não está boa, Amália! Não tenho como comprar a máquina nova e o pai de seus filhos não manda pensão. Se Jorge estivesse vivo, tudo seria diferente. Bem fez seu Waldo, se aposentou e construiu casas, e vive sentando na calçada, olhando seu jornal.”

O vizinho era um homem sozinho, aparentemente sério, com um ar autoritário. Gostava de observar e ordenar a vida dos outros. Apaixonado por Amália, que fugia de uma relação com alguém assim.

“Se ainda você quisesse ele!”, dizia Nelza à filha. “Seu Waldo é homem bom, é sério.”

“Não o amo mãe. Vamos trabalhar, temos muito que bordar!”

“Não consigo colocar a linha na agulha, filha. E essa casa podia ser mais ventilada; desde que fechamos a área para trabalharmos, isso virou um forno.”

“Calma, mãe, eu coloco para você!”

O orifício da agulha parecia apertado demais e, enquanto Amália tentava, sua mãe continuava falando, reclamando. Nelza era uma boa mulher, tinha uma luta árdua pela vida e pensava que a casa própria era a solução dos problemas, mas veio a máquina quebrada, a pensão dos netos que não chegava, o ventilador enguiçado, as contas que não paravam de chegar e, agora, o orifício da agulha que achava apertado demais e não a deixava trabalhar.

 “Vitória, tire suas bonecas daqui, já não tenho espaço.”

A menina era quieta, observadora e tinha uma expressão viva. Brincava de boneca ali, onde a mãe e a avó trabalhavam; às vezes, pegava um tecido, fazia de conta que bordava. Tem cabelos escuros e sobrancelhas desenhadas como que por um pincel, como dizia a avó, o que deixava seu olhar ainda mais forte.

“Amália, vá chamar seu Waldo, quem sabe ele não consegue colocar essa linha na agulha. Tenho que entregar esse vestido amanhã. Se ainda pudesse comprar meu óculos novos. Ela dirigiu-se à janela, buscando a claridade do sol, mas parece que isso a deixou com a vista mais embaçada.Virou-se para um lado, virou-se para o outro. “Estou quase conseguindo”, diz, esbanjando um sorriso, mas o dedo afasta a linha, não entra. Ela passa a mão no rosto, a irritação é evidente.

“Feche o ventilador. Com menos barulho, talvez, me concentre.”

“Dona Nelza, isso é trabalho de homem, diz Waldo, sorrindo, enquanto pega a agulha e tenta colocar a linha no orifício.”

Amália senta-se e suspira, observando, tem a mesma expressão cansada da mãe. Ajeita o cabelo, levanta a alça do vestido.Tenta fazer-se bonita, apesar do desgosto que pegou da vida.

“Ah! O problema deve estar na agulha, deve estar fechado o orifício.”

“Tenho outras”, fala Amália e coloca uma caixa de agulhas sobre a mesa.

Nelza, mais calma, tenta novamente acertar a tarefa feita tantas vezes por ela. Toma um pouco de suco, mas logo a excitação volta e ela começa a suar novamente.

“É, dona Nelza, não nasci para bordar.”

“Só se for a linha, agora”, diz Amália, também irritada com a situação. “Meninos, não mexam nessa caixa, podem se machucar com as agulhas.”

E cada um tentava, com a linha na mão, encontrar o orifício da agulha, mas era em vão. Amália e sua mãe não se conformavam de não conseguir fazer o que, habitualmente, faziam. Waldo não suportava a ideia de sair de lá sem fazer o que lhe fora confiado. Todos pensavam em situações externas. Nelza continuava falando sobre tudo o que lhe incomodava, Amália pensava na pensão que não recebera e Waldo estava preocupado com a condição de homem que nunca deixa nada pela metade.

“Desisto, hoje não bordo mais nada! Se perder o emprego, será um problema a mais, estou acostumada.”

“Vó!!”

Uma voz doce e serena corta os pensamentos dos três.

“Eu consegui. Agora, você já pode bordar.”

Vitória, a menina dos olhos fortes, entrega com calma para a avó a agulha com a linha de bordar.
“Como fez, menina?”

“Vó, foi fácil. Eu só olhei o centro da agulha e puxei a linha com a outra mão.”

E, naquele momento, o orifício da agulha se tornou tão simples como uma brincadeira inocente de criança.

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