POLTRONA AVELUDADA




Ando com medo das paredes ao redor
Meia volta na esquina e tudo está ali
Na minha frente um carro abre a porta
Pessoas parecem trombar em mim
Qual o preço de se viver?
Tenho andado perdida na minha cidade
Tenho visto tudo embaçado demais
O farol dos carros não acende não acende
E não sei se consigo achar o caminho de casa
Quantas vezes andei sozinha por aqui
Este caminho era meu
Você ainda lembra?
Ainda lembra que percorreu essa trilha comigo?
Teve um tempo que nossas casas eram vizinhas
De andares distantes
E a minha companhia era o pouso leve
De uma canção em meu peito
Hoje vejo a vela acesa na minha frente e não sei se devo apagá-la
A brisa vem e vai e continua indo e vindo
O sol é vivo e esquenta meu corpo frio
À noite eu queria esse sol
Como eu queria tocá-lo
Será que me queimaria com sua presença irradiante?
O relógio já passa das dez e eu não tô nem ai se está tarde
Se a rua está vazia se o perigo me acompanha
Não tô nem aí para nada mas estou ligada em tudo e vejo que dois Olhos me observam de longe
Escondido por trás das árvores do jardim que já está adormecida
Finjo que não vejo e caminho
Caminho com passos leves sigo em direção a tudo
Que quero mas que nem sei se quero
Pretendo perguntar ao coração essa noite e pretendo que ele me Responda
Espero que ele não me traia mais uma vez.
Espero que as palavras sejam verdade que o amor seja sincero e que a Vida mostre-se como um arco-íris para mim
Talvez mais tarde eu pare e der risada disto tudo
È mais tarde vou sentar na cama e pensar em você antes de adormecer E depois vou rir de tudo isso
Será que você estará sorrindo aí do seu lado?

Do lado de cá. Eu vou sorrir e vou caminhar no amanhecer, em jardins floridos e abertos. Não quero prisões e não quero ordens. Quero a liberdade de uma criança que canta na calmaria do dia e fala com seus brinquedos. Já falei com meus brinquedos e ainda falo, apenas os brinquedos mudaram de tamanho, ainda sou criança e tenho em mim a vontade de correr, pular, dançar e sorrir, sem medo de ser ignorada.

“Ontem, tinha vaga naquele castelo ali”, disse a amiga que caminhava ao meu lado.

Parei e olhei o castelo de perto.

“É um castelo muito bonito”, ela continuou. “Cheio de histórias encantadas. Acredita em anjos, fadas?! Pois, quando você entrar nesse castelo, vai encontrar tudo isso. Você quer?”

Olhei para ela, ainda sem acreditar no que dizia e, na verdade, não sabia se ainda acreditava em anjos e fadas. Será que era mesmo ainda uma criança? Será que perdi o doce sabor de imaginar?

Caminhei devagar e, aos poucos, aproximei-me do castelo, olhei-o por alguns minutos e tive medo. Voltei e continuei caminhando na rua, mas fui pensando se existiam mesmo fadas e anjos. Entrei, então, numa rua cheia de portas — engraçado como portas me chamam a atenção. Fiquei pensando em qual porta deveria entrar. Geralmente, sempre vou à do meio, gosto dos centros, é como se aquilo que estivesse no alto e no meio, dissesse que meu lugar é ali. Entrei.

A porta fez um pequeno barulho quando abri, aquele rangido que assusta e, quando dei por mim, encontrei um oásis. Como era lindo tudo aquilo, como havia flores, como as pessoas sorriam e todas olhavam-me com afeto! Aos poucos, fui me sentindo íntima daquele lugar, ele era meu, eu abri a porta certa, mas o castelo ainda me incomodava. Por que eu não entrei naquele castelo? Fiquei ali alguns instantes e, aos poucos, todos foram para casa, a árvore dormiu, o lago dormiu e a lua escondeu-se atrás da nuvem. Fiquei só e palavras começaram a vagar na minha mente, não sabia o que fazer, nem sabia se ali era meu lugar.

“Levanta e procura um novo caminho”, disse minha amiga mais uma vez. “Não fica aí, deitada, não, aproveita que ainda conhece a saída e vai.”

Eu fui.

Voltei pelo mesmo caminho e, ao passar pela porta, era dia, vi as outras portas que me esperavam, mas elas não me chamaram a atenção e voltei ao castelo. Entrei.

As paredes eram de marfim, havia uma mesa farta de frutas; na mesa, pratos, talheres e taças para beber. Percebi que alguém morava ali e fiquei apreensiva de não ser bem-vinda. Chamei. Não houve resposta. Engraçado! Ele estava preparado para receber alguém, mas era abandonado. Por que seu dono arrumou tudo tão delicadamente, se não estava ali para receber quem chegasse? Percorri toda a sala e os quadros olhavam-me, a sensação é que eles falavam entre si. Ainda não vi anjo, nem fada. Olhei as escadas e o desejo de subir ao outro andar tomou conta de meus pés, que caminharam em direção à escada. Sempre gostei de subir escadas, quando era criança costumava brincar nas escadas rolantes, nas lojas, o prazer não era tanto ver o que estava lá em cima, era subir, tanto que logo que subia, descia novamente e voltava a subir. Subi.

O quarto estava com a porta encostada, aos poucos empurrei e encontrei uma biblioteca cheia de livros, havia tantos livros, que parecia não ter fim. Não sabia o que escolher. Tomei em minhas mãos um livro grande e, quando olhei a capa, percebi que já o havia lido, repeti então para mim mesma que aquele livro já havia lido e caminhei no meio daquelas estantes cercadas de histórias, com heróis, com vilões, e foi aí que lembrei-me do que minha amiga falou, encontraria anjos e fadas. Os romances falam de anjos e fadas. Peguei um livro na mão, pequenino, delicado e abri-o. Sentei na poltrona aveludada, ao lado das prateleiras. Como era confortável, dava vontade de dormir, mas queria ler! Comecei a leitura e a história era tão singela. Começou com um choro de um bebê suave, a mãe apaixonada acalentava aquele bebê com gestos cândidos. A lua estava sorrindo quando ela nasceu e todos os familiares faziam festa e cantavam canções de bem-aventurança. A menina tinha olhos gentis e logo que alguns anos passavam, ela sentava-se numa poltrona confortável e lia histórias de anjos e fadas. Um dia, quando cresceu e sentia-se só, foi ao mar e olhou a lua, e chorava, e olhava a lua. A lua sempre sorria para ela e cantava uma canção de ninar, que dizia para ela sorrir. Ela levantava-se e seguia, mas ainda não sabia ao certo pra onde ir, caminhava em becos, ruas, avenidas e corria perigos, mas seguia procurando por suas portas. Às vezes, saía às ruas e trombava nas pessoas; às vezes, seu coração era machucado e ela olhava a lua e a lua sorria para ela, e ela continuava. Um dia, encontrou um castelo em que relutou entrar, mas voltou e percorreu o castelo em busca de anjos e fadas, encontrou um quarto com muitos livros, muitos livros, e a certa hora pegou um livro pequeno, e recostou-se numa poltrona aveludada, com o tom forte do rosa choque, começou a ler a história, apesar do sono, em certa página olhou para o livro e encontrou páginas em branco, nas outras encontrou apenas sinais que indicavam a necessidade da continuação, virou a página e encontrou .........................................................................

Virei a página e encontrei.................................................................

Nesse momento, parei e olhei para mim. Minha amiga olhou-me nos olhos e disse:

“Essa é sua história, escreva-a.”


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